terça-feira, 9 de agosto de 2016

O espelho nosso de cada dia - Carla Pepe

No mundo atual está cada vez complexo ser diferente. A busca por modelos é fundamental para a existência humana. Queremos sempre pertencer a um grupo: família, amigos, igreja, comunidade. E nessa procura incessante vamos tecendo estereótipos: a inteligente, a gostosa, a magra, a burra, o engraçado, o grosso, o gordo, o lesado, o lerdo e assim por diante. Para os que rejeitam esses papéis, resta o vazio dos lugares não-comuns, a estranheza do não pertencimento. Fica então a caça pelo amor próprio tão necessário ao existir para se fortalecer e dizer a que veio aos grupos e assim poder gritar frente ao espelho a tão sonhada frase: "espelho, espelho meu existe alguém no mundo mais bonita do que eu?". E mais importante, não ter medo que a resposta seja: "existe a magrela da branca de neve".
O culto à magreza é do século XX e advém do controle do corpo, sobretudo das mulheres. A ideia central era controlar, adestrar, higienizar, mas sob uma lógica moral travestida de moda e de beleza que levam o sujeito a crer que ele é sempre insuficientemente bom. É preciso sempre ir além, ter barriga negativa, mesmo que ele já não tenha barriga alguma. Por favor, entendam que a obesidade é sim, uma doença crônica e um problema grave de saúde pública que merece ser tratada. No entanto, deve também se entendida como multifatorial e resultado de diferentes interações tais como: genética, ambientais, culturais, sociais, econômicas.
Isso não significa que as pessoas gordas devem se esconder ou serem colocadas em guetos sociais. Seus corpos devem ser olhados como companheiros, devem ser visto com gratidão e amor. Entender sua sexualidade plena é reconhecer-se amado em todas as suas curvas e nuances. Sentir-se com poder de vestir o que quiser, seja um short curto, uma cropped, uma blusa de listras horizontais ou uma estampa floral enorme. "Suas carnes" foram feitas para serem exibidas ao sol e não para serem escondidas como se fossem proibidas, porque são uma afronta moral.
A mudança começa no processo de aceitação pessoal de si mesmo. Você muda quando olha para dentro de si com gratidão e se reconhece. Já dizia Heráclito que um rio não é mais o mesmo quando mergulhamos nele. Assim não somos mais os mesmos no instante seguinte a olhar para dentro de nós. Muitas pessoas acham que reconhecer-se gordo é conformar-se. Estão enganados. Reconhecer-se gordo, é o primeiro passo para ver o quanto o seu processo é singular, solitário e difícil. Claro que você poderá encontrar parceiros no processo. Existem pessoas muito legais, mas elas são raras.
Na real, existe uma sociedade inteira moldada numa cultura que diz que você é um fracasso e que se não conseguiu emagrecer foi porque não quis. Por isso, segure firme e seja você ! Ame-se. Reconheça o que deseja mudar e mergulhe fundo. O rio a frente com certeza não será o mesmo nunca mais. Quando emergir do mergulho e olhar o espelho a sua frente uma grata surpresa: você já não reconhece a pessoa que está a sua frente. Você mudou.


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